sexta-feira, julho 15, 2011

112

Hoje assisti a um atropelamento, daqueles em que um corpo voa como um boneco, fazendo uma pirueta no ar, e um sapato de solta do corpo atropelado. Pois é, parecia mesmo um filme. Porque uma pessoa não imagina que um corpo humano possa sofrer algo de tão violento, é difícil convencermo-nos que a cena a que assistimos é real. Com toda a gente um pouco confusa, peguei no telemóvel e chamei o 112. Cada toque de chamada que passava sem atenderem deixava-me incrivelmente nervosa e tudo parecia demorar uma eternidade. Quando desliguei o telefone aproximei-me da cena. Um homem estava deitado no chão. Tinha uma T-shirt de um amarelo tão vivo que até aquela cor tinha qualquer coisa de cinematográfico, como se o realizador nos quisesse prender a atenção, quisesse que os nossos olhos não deixassem a vítima. E não deixaram. O homem começa a mexer-se aos poucos, depois levanta-se, e eu à espera da ambulância com a mesma ansiedade com que tinha esperado que atendessem o telefone. O homem está em pé mas tem uma perna inchada. Procura o sapato que se soltou, sempre apoiado ao gradeamento que separa a estrada do passeio. Nota-se que tem dores e eu volto a procurar a ambulância. O homem dá uns passos com dificuldade, volta a perder o sapato, volta a calçá-lo, mas já mostrou intenção de se ir embora. O taxista que o atropelou parece ocupado com outra coisa qualquer e eu aproximo-me do homem e peço-lhe que não vá embora, que está a chegar uma ambulância. O homem é imigrante e faz-me pensar que talvez seja por isso que não quer esperar. Afasta-se rua abaixo, lentamente porque vai a coxear, com aquela T-shirt amarela que se continua a ver à distância.

Discuto com uma amiga se devo ou não voltar a ligar para o 112. Ela diz que sim. Eu não sei o que causará mais confusão mas liguei e disse que a vítima se tinha ido embora e que seria melhor cancelar a ida da ambulância. O taxista, ao ver o homem afastar-se também se apressou a ir embora. De forma bastante agressiva o homem do outro lado do telefone diz-me que um atropelamento com vítimas é crime, que o meu número ficou registado e se alguém der entrada no hospital eu poderei vir a ser "incomodada". Respondo-lhe, muito irritada, que se for incomodada ajudarei no que puder, e digo-lhe que a ambulância chegou e que vou falar com eles. Notou-se a agressividade do outro lado do telefone a diminuir um pouco.

Ao falar com os paramédicos ainda procurei a T-shirt amarela ao longo da rua mas já tinha passado muito tempo. Voltei para casa furiosa com a agressividade do tipo do 112 que tinha falado comigo ao telefone. Ao chegar a casa, e com os nervos um pouco mais calmos, percebi o que tinha acontecido. Pensou que tinha sido eu a atropelar o homem e estava a avisar-me que não me safaria cancelando a ida da ambulância, que conseguiriam identificar-me através do número do telemóvel.

2 comentários:

  1. ...e sabes a matricula do taxista?

    ResponderEliminar
  2. Não, nunca me passou pela cabeça porque o taxista inicialmente não fugiu, a culpa do atrolepamento não foi dele. Neste caso quem fugiu foi a vítima e só depois disso é que o taxista se foi embora. Talvez ele devesse ter esperado pela ambulância mas nem sei se o taxista sabia que vinha uma ambulância a caminho.

    ResponderEliminar