Tudo começa no CAM, por volta das 18h30 com o lançamento de um novo livro do fotógrafo Daniel Blaufuks e o encontro com meia dúzia de pessoas conhecidas, um copito de vinho a acompanhar a conversa e o delinear de planos para colaborações futuras. Mas havia propostas a mais curto prazo: assistir ao concerto de lançamento de um disco no Hot Club, às 10h da noite. Aceitei o desafio da Cátia, que me ofereceu jantar em casa dela, mais dois copitos de vinho e outros tantos dedos de conversa.
Fomos a pé para a Praça da Alegria e quando lá chegámos a sala estava cheia e fazia transbordar pessoas até ao pequeno corredor que a antecede. E foi mesmo aí que nos dispusemos a esperar pela nossa oportunidade de entrar. Entretanto já nos tínhamos juntado a um amigo da Cátia que protagonizou uma das cenas de engate mais cómicas a que alguma vez assisti e afugentou umas senhoras italianas que esperavam atrás de nós. Acabou com ele, muito descaradamente, a gritar o número de telefone a uma rapariga que já estava na rua e a repetir-lho em italiano, sendo ela portuguesa. A rapariga prometeu ligar-lhe no dia seguinte, promessa feita também em italiano. Conseguiu, ainda antes de entrarmos, meter-se com a cantora Maria Viana e fazer-nos rir com mais uns quantos disparates.
Depois de entrarmos foi a música a fazer das suas. A Cátia apresentou-me a uma das cantoras e parecia conhecer mais alguns músicos e um rapaz que fazia anos a 29 de Fevereiro, o que é sempre interessante. O ambiente era muito simpático e os meus planos de abandonar o clube a tempo de apanhar o último metro foram rapidamente abandonados. Um dos responsáveis foi um rapaz que tocava harmónica e que me deixou pregada ao chão sempre que eu planeava sair da sala.
Mas lá saímos e o meu plano era ir a pé até à Almirante Reis e aí apanhar o 208, para não ter de pagar um taxi. Na Av. da Liberdade despedi-me da Cátia e do amigo que falava italiano e desci até ao Rossio, e depois até ao Martim Moniz sempre a cantarolar o My Funny Valentine e Só Danço Samba (vai, vai, vai, vai) que a cantora de belos olhos azuis tinha estado a cantar momentos antes.
Mal começo a subir a Almirante Reis dou logo com uma paragem de autocarro que me informa que o 208 passará dentro de 38 minutos. Decido-me a continuar a andar e a apanhar o autocarro mais acima para não ter de esperar ali parada. Pouco depois um táxi abranda ao passar por mim. Abano a cabeça a informá-lo que não estou interessada e ele arranca, mas muito devagar e pára um pouco mais acima. Começo a pensar que talvez não seja assim tão boa ideia andar por ali a pé. Ultrapasso o táxi que volta a aproximar-se de mim muito devagar. Estou decidida desviar-me da Almirante Reis para impedir que o táxi me pudesse seguir quando vejo que o taxista pára junto de mim, abre a janela e me faz sinal para me aproximar.
Aproximei-me e o senhor oferece-me uma boleia que eu me apresso a recusar. Ele insiste. Não vê que é um perigo andar aqui? Eu vi logo que era uma pessoa diferente. Para onde é que vai? Eu levo-a! Recusei mais algumas vezes mas o senhor parecia tão preocupado comigo que aceitei uma boleia até à Alameda. Depois de entrar no táxi explicou-me que já me tinha visto ao descer a avenida, deu meia volta no Martim Moniz e fez questão de parar para me fazer ver que nem todas as pessoas são mal intencionadas, até porque tinha visto logo que eu era uma pessoa diferente. Eu acabei por aceitar que me trouxesse a casa.
Resumindo: alguns anos depois de um motorista de autocarro me ter ido levar a casa, a Frielas, no próprio autocarro, desviando-se do seu caminho normal e assustando-me ao apagar as luzes do carro porque não ia em serviço, um taxista, às 2h da manhã, dá-me boleia até casa porque acha que é perigoso subir àquela hora, a pé, a Almirante Reis. Eu nunca achei que tivesse ar de donzela em apuros por isso só posso concluir que os motoristas são todos uns corações de manteiga.
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