Estava em casa de um amigo e o canalizador, um napolitano, estava continuamente a dizer: desvie-se, desvie-se que você dá azar. Estava nesta casa porque o meu amigo e a sua família estavam de férias e a casa estava inundada. Tinha recebido um telefonema seu a dizer-me que devia ir abrir a porta da sua casa, caso contrário seriam os bombeiros a arrombá-la.
O meu amigo tinha deixado a chave do seu apartamento na minha caixa de correio da universidade mas eu nunca tive a chave da minha caixa do correio. Ao telefone o meu amigo perguntava-me se eu conseguia estar em sua casa em dez minutos e eu não sabia o que responder, teria que arrombar a minha caixa do correio para que não lhe arrombassem a porta de casa mas não sabia se o conseguiria fazer em dez minutos. Alguém conseguiu extrair a chave sem que arrombassemos a caixa do correio e agora estava finalmente em sua casa, feliz porque a inundação não tinha provocado muitos danos no seu apartamento e preocupada porque o apartamento por baixo do seu tinha danos significativos, do tecto ao belo pavimento de madeira.
O canalizador disse que eu trazia azar e por isso pus-me a pensar neste Verão, do quanto tinha sido prazoroso apesar de ter demorado três dias a chegar a Lisboa. Do quanto tinha gostado de estar com a minha família apesar de ter passado um dia no hospital com o meu sobrinho. Do quanto tinha gostado de estar com o meu sobrinho apesar do susto que apanhámos numa piscina. Do quanto tinha gostado de estar com os meus amigos apesar de ter ficado sozinha com uma criança de três anos enquanto o seu pai tinha ficado retido no ferryboat que nos tinha levado de Setubal a Tróia.
Ontem, um dia depois da inundação, tomava um aperitivo com alguns amigos e revíamos a história da catástrofe. Foi um serão muito agradável e pensava no quão agradável é voltar a Modena e rever estas pessoas. Ao voltar a casa dei-me conta que me tinha roubado a bicicleta.
Começo a achar que o canalizador napolitano sabia o que estava a dizer.
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