terça-feira, outubro 24, 2006

Com o olhar vesgo

Entro muma livraria à procura de um livro. Desta vez a horas tardias, o que deixa as livrarias de centro comercial como única opção. Sei o que procuro e por isso dirijo-me à prateleira respectiva: literatura portuguesa, literatura estrangeira, o que for. Procuro com um ar vesgo o autor, que devia estar no lugar que a ordem alfabética lhe confere. Não encontrando, lembro-me que o apelido usado na classificação pode ser o outro, o penúltimo. lá esforço os meus olhinhos, cada vez mais pequenos, através das capas tão fininhas, com letras tão pequeninas e apagadinhas. Não encontro. Pode ser que consiga identificar o livro pelo aspecto, já que aquele autor tem vários livros na mesma colecção. Tento lembrar-me da cor da capa, ou do tamanho. Desta vez os livros já não me param quietos diante dos olhos. Tenho de os percorrer duas ou três vezes. Começo a dúvidar das minhas capacidades. Não é possível que não haja um único livro deste autor.

Os balcões que se espalham pela livraria são o próximo passo. Os livros podem estar em destaque algures, estilo autor do mês ou da semana ou grande promoção, descontos de 20% em todos os livros deste autor, coitado, está a desvalorizar. Mas não. Resigno-me a esperar por um dos inexistentes empregados da cadeia de livrarias. Lá está ele, ali atrás daquela prateleira. Dirijo-me ao rapaz, ou rapariga, que até costumam estar em maioria, falo-lhe no autor e lá vai ela disparada, cheia de confiança, para a prateleira com que eu tinha estado a lutar há minutos atrás, com ar de quem pensa, estes clientes não percebem nada disto. Quando começo a pensar que já devia ter pedido o livro mais cedo, a rapariga começa a perder segurança, a dizer deviam estar aqui, eu vou ver ao computador, hesita, volta à estante, vai ao computador que lhe diz que existem 3 exemplares, volta à prateleira, começa a sentir a pressa do cliente, atrapalha-se, oferece-se para nos dizer se o livro existe noutro sítio, digo que sim mais para a aliviar do que por genuíno interesse, penso nunca mais cá volto, ela diz-me que sim, nas Picoas, quer que telefone para lá, já não é possível porque já é tarde, não se incomode, eu passo por lá, boa noite, boa noite.

Num fim de semana, as livrarias fechadas, lá vou eu às Picoas. Dirijo-me à prateleira respectiva e começo logo a ficar com os olhos pequeninos. Mais um empregado, mais uma confusão, o computador, quer que veja se há noutra livraria, não, deixe estar, nunca mais cá volto, nunca mais volto a uma livraria com computadores, até à próxima noite em que me faça falta um livro daquele autor, aquele que tem tantos livros na mesma colecção que pode ser que eu os reconheça pelo aspecto.

4 comentários:

  1. Crónica bem inspirada, será pelo autor dos livros que procuravas?...

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  2. Parece-me que sim. É impressionante este poder de contágio.

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  3. Que desmancha prazeres! Se não fosse isto não tinha nada para escrever.

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